Opinião


A Morte Anunciada do 3º. Grupo de Material e Oficinas no Barreiro



No dia 25 de Outubro do ano de 1967, entrei pela primeira vez no 3º.G.O. do Barreiro, para frequentar a Escola de Aprendizes, com apenas 15 anos.
Era de facto uma grande escola, onde se formavam, mecânicos, electricistas, serralheiros, torneiros, fresadores e demais categorias de operários, uns para dar continuidade às “velhas glórias” do operariado dos ferroviários, outros para engrossar as colunas da Siderurgia Nacional, Cuf, Lisnave, Setenave, Metro, entre outras oficinas.
Para além de uma grande escola de formação profissional, também era uma Escola da Vida, onde nos formávamos no “Espirito da Luta”, ao lado dos operários da vanguarda do Partido Comunista Português, e refiro o PCP, porque nessa altura era o único Partido organizado em que os seus militantes lutavam no seio da classe operária e com destaque nos ferroviários contra a ditadura de Salazar e Marcelo, por melhores condições de vida, pela liberdade de expressão, pela libertação dos presos políticos e fim da guerra colonial.
Nesse tempo, vivíamos rodeados de legionários, membros da ANP, informadores que a troco de verbas irrisórias denunciavam os que mais se distinguiam nas lutas operárias. Era só eles se aperceberem de alguma movimentação que pudesse levar ao caminho de uma simples revindicação, lá estavam os bufos, prontos a fazer o seu trabalho sujo na defesa do fascismo.
Mas também, nem tudo era mau, convivamos com homens com um “H” grande, que não viravam a cara á luta, e por isso nas vésperas do 1º de Maio, lá vinha a famigerada “viúva”, como era conhecida para transportar os comunistas para as masmorras da pide a fim de lhe infringir torturas físicas e psicológicas em que algumas ficaram para toda a vida.
Não vou referir nomes desses lutadores, porque posso não me lembrar de alguns e seria deselegante da minha parte, por isso prefiro prestar homenagem a todos os que lutaram naquele 3º.G.O., pela liberdade, pela democracia e por melhores condições para o Povo.
Lembro-me bem de no ano de 1969 a histórica luta da “Braçadeira Preta”, que só não a usou quem estava comprometido com a ditadura, todos sem excepção a colocaram e sabiam bem o seu significado até os jovens como eu na altura que tínhamos 16 ou 17 anos.
Neste mesmo ano acabou o vapor no sul, mas ainda assisti às últimas reparações das locomotivas a vapor, que operavam na antiga região sul, e os comboios operários da manhã e o da tarde, normalmente eram traccionados por estas locomotivas.
Lembro-me da locomotiva Diesel Alco 1510, ter-se incendiado e ser a primeira a ser modificada de 1600 para 2000 HP, da metalização das carruagens B-600 que percorreram todas as linhas em Portugal, da grande reparação do navio Évora, em que os seus motores foram retirados, transportados e reparados, assim como a substituição de toda a estrutura das chapas de fundo, tudo reparado no Grupo Oficinal do Barreiro.
Existia ainda a Fundição, no Lavradio onde eram fundidas a maioria das peças para o material motorizado e até os blocos das máquinas principais do Navio Évora, que estiveram expostos em algumas certames nacionais.
Muito mais de certeza havia a contar deste Grupo Oficinal, isto no fundo é apenas e só, capítulos de uma história secular em que cada operário que nele trabalhou tem sempre uma aventura mais para acrescentar a este que foi um dos baluartes da história dos Caminho-de-ferro em Portugal.
É com grande tristeza que vejo pairar a ameaça do encerramento do 3º. Grupo de Material e Oficinas do Barreiro, como um bocado do nosso corpo que foi amputado, porque existe operários e quadros técnicos, que ali coabitaram uma vida.
Não deixem morrer o 3º. Grupo Oficinal, porque a cidade e o município do Barreiro ficam mais pobres de certeza.


Frederico Tavares

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